Em Nome de Deus Ámen.
Saibam quantos este instrumento de irrevogável instituição, nomeação, e dotação de morgado e capela, ou como em direito melhor lugar e haver possa virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos oitenta e nove, ao primeiro dia do mês de Novembro do dito ano, em esta cidade do Porto em a freguesia de Santo Ildefonso, de fronte da Senhora da Batalha, nas casas em que hora moro eu Alvaro Vaz Mogueimas, estando são e bem disposto com a saúde e juízo perfeito que Deus foi servido dar-me, e quis, e determinei instituir e dotar o morgado ou capela ou como em direito melhor lugar e haver possa, o qual instituo e de facto nomeio, e doto na forma seguinte.
Primeiramente declaro que fui casado com D. Catarina de Couros Carneiro, filha legitima de António de Couros Carneiro, cidadão desta cidade do Porto, e Juiz da casa da Moeda da dita cidade, do qual casamento tive onze filhos, nove machos e três fêmeas, e destes onze me acho ao presente com quatro solteiros que estão debaixo da minha obediência, e um casado na vila dos Arcos chamado Gaspar de São Miguel Rebelo, e três filhas que estão dentro do Mosteiro da Senhora da Conceição em a cidade de Braga, duas delas já professas, e a outra espera pela idade capaz para poder professar, e outros são defuntos.
Declaro mais que a dita minha mulher, que Deus tem, me deixou por sua morte em seu testamento nuncupativo, que fez em presença de muitas testemunhas do seu terço, declarando que mo deixava para eu com o meu terço, junto ao seu, instituir o morgado ou capela que agora de facto instituo, e o dito testamento da dita minha mulher hei-de aprová-lo judicialmente com as testemunhas que presentes estiveram, e dado o caso que antes de o aprovar Deus disponha alguma coisa da minha vida, encomendo muito e mando a meus filhos, debaixo da minha bênção e maldição que façam toda a diligência verdadeira e possível, sem malícia alguma, e para que o dito testamento de sua mãe fique aprovado, porquanto todos eles sabem esta verdade, e conhecem as testemunhas, e o ouvirão a sua mãe, e assim peço outra vez, pela bênção de sua mãe, e minha, que nenhum deles queira ir nem requerer coisa alguma contra esta instituição e disposição que aqui faço perpetua e irrevogável para todo o sempre.
Declaro que neste morgado e capela, que de novo instituo e doto, chamo em primeiro lugar a meu filho mais velho António de Couros Carneiro para legítimo sucessor dele, e depois de usa morte sucederá no dito morgado seu filho legitimo, e em falta dele filha legitima, e assim se irá continuando a descendência do dito meu filho, com preferência aguação á coguação, como dispõe o direito, e isto indo em caso que as fêmeas sejam mais velhas, e os machos mais novos, e advirto que sempre a descendência será de legítimos, e não naturais nem espúrios, e dado o caso que falte totalmente toda a legitima descendência do dito meu filho, na forma que tenho disposto, entrará na sucessão deste morgado meu filho Gaspar de São Miguel Rebelo, se neste tempo for vivo, e não o sendo, entrará seu filho ou filha, netos ou netas, e mais descendência, com as mesmas preferências e condições que ficam declaradas na sucessão do filho primeiro chamado, e assim nesta mesma forma de sucessão, se irão seguindo meu filho Francisco de São Miguel Mogueimas, como Bernardo, e João, seus irmãos.
Declaro mais que dado o caso que falte totalmente toda a descendência legitima de todos os meus cinco filhos aqui nomeados, em tal caso quero, e é minha vontade de que entre neste morgado o sucessor qualquer que houver legitimo o mais chegado que se achar de Tomaz, filho que ficou de meu irmão Francisco de São Miguel, e em falta da sucessão deste, sucederá a descendência das irmãs dele, preferindo-se a sucessão das mais velhas com as mesmas condições e declarações que ficam apontadas na sucessão dos meus filhos, e dado o caso que ainda assim falte toda a descendência legitima destes últimos chamados, então irá este morgado e nele sucederá a mesa da Santa Casa da Misericórdia da vila de Ponte do Lima, para que dos rendimentos do dito morgado (indo-os juntando cada ano para o seguinte efeito) façam um mosteiro, capaz de dez ou doze religiosos, de Nossa Senhora do Carmo descalços e será edificado no sítio em que determino fazer, e mando aqui abaixo, que se me faça uma ermida de Nossa Senhora do monte da Piedade, e o dito Mosteiro conservará sempre este título da Senhora do monte da Piedade, pela grande devoção que sempre tive a esta evocação da Senhora, e no caso em que os religiosos sobreditos não queiram aceitar o dito Mosteiro em tal caso a Mesa da Misericórdia aqui chamada, e despenderá cada ano a terça parte dos rendimentos do dito morgado com viúvas e pobres e honradas, e donzelas órfãs recolhidas, e das duas partes que restam, em primeiro lugar se satisfarão os encargos anuais, assim do tocante à capela de Nossa Senhora que determino fazer, como do azeite e a lâmpada que deixo ao Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz da dita Vila (como logo declararei) e o que depois disto satisfeito sobejar dos ditos rendimentos, mando que daquilo que disto se ajuntar das ditas duas partes, tanto que chegar à quantia de duzentos mil reis, se case com o dote deles uma mulher nobre donzela pobre, ou tendo mais alguma coisa com que possa entrar em meu Mosteiro, se lhe darão para este efeito na entrada, e nesta forma se irá continuando perfeitamente sem alheação de fazenda alguma.
Declaro mais que dado o caso, o que Deus não permita que alguém dos sobreditos sucessores, nesta instituição chamados, cometa algum crime de lesa Majestade Divina ou humana, ou outro qualquer crime porque deva incorrer em alguma infâmia publica, em tal caso daqui para então, até ao fim do Mundo, o hei por deserdado e excluído da dita sucessão um dia antes do dito crime cometido e logo e pelo facto, passe ao sucessor a que por direito, e segundo a forma desta instituição deva pertencer, e assim também não é minha vontade, nem quero que jamais até o fim do Mundo a sucessão deste morgado passe a clérigo, nem frade, nem freira, porque a todos estes por serem incapazes de poderem ter sucessão legitima, segundo o estado que professam os hei por deserdados e excluídos deste morgado e isto ainda que sejam filhos e irmãos do ultimo sucessor.
Declaro mais que no que disse acima acerca da preferência dos machos às fêmeas, é a minha tenção e vontade que ainda que os machos se achem em igual grau ou em grau mais afastado do das fêmeas, quero que sempre se prefiram o machos sem que nisto tenha lugar o direito da representação para que assim se evitem as muitas demandas e várias opiniões que há sobre esta matéria, e isto se entende dentro da descendência da linha ou recta ou transversal do que for ultimo possuidor.
Declaro mais que no tocante ao que disse acima acerca do legado pio dos duzentos mil reis que se ajustarem dos rendimentos de toda a fazenda para casamento, ou dote de freira, entendo que neste legado sempre se preferirão as donzelas órfãs que se acharem da minha geração.
Bens para o morgado. Nomeio para o sobredito morgado e capela todas as minhas fazendas que por minha morte se achar ser minhas digo acharem minhas na freguesia de São Mamede de Arca, vulgarmente chamada – São Bento – Item mais as minhas casas sitas na Rua do Pinheiro, da dita vila de Ponte do Lima. E tem mais dois campos, um chamado do bom nome, o outro da Vargiela, sitos na freguesia de Souto de Rebordões, e todo o sobredito é meu, livre, dizimo a Deus, excepto algum forozinho de pouco momento que se paga de dois outros campos que estão metidos na quinta de São Bento, com a qual obrigação os comprei.
Mando que dado o caso que eu não faça a capela de Nossa Senhora do Monte da Piedade, que determino fazer junto aos portais da dita minha quinta, pegado ao cruzeiro, em tal caso meu filho, o que por minha morte ficar sucessor neste morgado e capela, será obrigado a faze-la logo, para o que lhe deixo já feita a Imagem desta Senhora, e esta será a que esteja no altar da dita capela, com toda a veneração, pela singular devoção que sempre lhe tive, e espero que como mãe e advogada de pecadores se lembre da minha alma diante de seu Bento Filho, e estará a dita capela sempre mui bem telhada e fabricada com retábulo e ornamentos decentes ao sacrossanto sacrifício, e com toda a perfeição possível. Nela se dirá uma missa rezada em cada um dos dias das festas de Nossa Senhora ou sejam de guarda, ou não e além disto se festejará o dia de Nossa Senhora do Monte da Piedade, que é em umas das oitavas da Páscoa da Ressurreição com a armação possível segundo a terra e missa cantada com pregação.
Mando também que em caso que eu deixe feito o lampadário que determino fazer para estar aceso na capela do Santíssimo da igreja Matriz da vila de Ponte do Lima, para enquanto o Mundo durar em tal caso o filho que me suceder neste morgado e capela, será obrigado a mandar fazer o dito lampadário, que tenha de peso ao menos vinte marcos de prata e para estar sempre aceso de dia e de noite, dará quem suceder neste morgado pontualmente todo o azeite necessário para este efeito, e isto sem falta e nem poder alegar escusa alguma, e para maior segurança disto que ordeno, quero que faltando algum dos sucessores na vigilância e efeito disto que disponho por termo de cinco dias e cinco noites, que a lâmpada se não acenda por falta do azeite necessário, em tal caso pagará infalivelmente cinco libras de cera para arderem no sepulcro do Senhor em quinta feira Santa, ou nas quarenta horas subsequentes à falta cometida e encomendo muito aos mordomos do Senhor e ao reverendo Pároco da dita matriz que puxem muito por esta execução, havendo a falta por culpado administrador, e advirto que todo o sobredito tenha comunicado com minha mulher em sua vida de que levava tanto contentamento que por isso lhe deixou para ajuda do que aqui fica disposto e também me pedia, e eu da mesma sorte o encomendo muito e mando que assim o meu filho primeiro sucessor, como também todos os mais que forem sucedendo este morgado, vinculem a ele, quando menos, a terça parte do seu terço para que este morgado vá crescendo, e assim se perpetue, e sendo necessário, o meu filho primeiro sucessor, vinculará as legitimas de pai e mãe para que não falte o complemento dos legados pios que aqui ficam declarados, e assim lhe peço debaixo da minha bênção, como filho merecedor dela, e mando que todo aquele que não quiser vincular a este morgado a dita terça parte do seu terço, para maior segurança e aumento do dito morgado, eu o hei por excluído da sucessão dele, e passará logo ao sucessor a que por direito pertencer segundo a forma dada nesta instituição, o qual se obrigará a este dito vinculo, para que o não fazendo assim, restitua in solidum por sua fazenda ao que a eles se seguir, tudo o que tiver comido dos rendimentos do dito morgado.
Mando também que se alguma viúva que ficar do último possuidor, não tiver rendimentos de fazendas que cheguem à quantia de quarenta mil reis, cada ano para seu sustento, o sucessor deste morgado será obrigado a dar-lhe vinte e cinco mil reis cada ano para ajuda do seu sustento, com clausula e condição que viva honesta, e honradamente, e conserve o estado de viúva, por que casando-se, o tal dinheiro se lhe não dará. E por este modo hei por feita, perfeita, e acabada esta minha instituição de morgado e capela, a qual quero que sendo necessário por direito valha como testamento ou codicilo, ou qualquer outro titulo porque de direito melhor valer possa, e assim peço e rogo muito a todas as justiças de Sua Majestade, que assim mo façam inteiramente cumprir e guardar pelo mesmo que nestes escritos o tenho disposto, e por fiar das letras e prudência do muito reverendo Padre Frei Luis de São Francisco, religioso professo na ordem de São Francisco, meu comissário da ordem Terceira, seráfica de que sou filho, desta cidade do Porto, lhe pedi que me aconselhasse, e escrevesse esta minha ultima disposição de instituição de capela e morgado, e eu Frei Luis de São Francisco, sobredito comissário a escrevi, bem assim e tão fielmente como o testador o ditou, o que assim julgo in verbo sacerdotis, e para maior firmeza do sobredito, se assinou aqui comigo o dito instituidor Alvaro Vaz de Mogueimas, hoje, nesta cidade do Porto, o primeiro de Novembro de mil seiscentos oitenta e nove.
Frei Luis de São Francisco, comissário missionário
Alvaro Vaz Mogueimas
Declaro que a regras trinta e duas diz o emendado – Legítimos – e a regras cento e quatro, diz o emendado sobre o borrão – de guarda – e a regras cento e oito diz escrito sobre o borrão – aceso na capela – e a regras cento e vinte diz o emendado – administrador. E assim nada disto faça duvida, diante supra.
Frei Luis de São Francisco
Alvaro Vaz Mogueimas
APROVAÇÃO
Saibam quantos este público instrumento de aprovação de instituição de morgado ou capela, qual em direito melhor lugar haja e valer possa virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos oitenta e nove anos, ao primeiro dia do mês de Novembro do dito ano, na Rua de Nossa Senhora da Batalha, que é freguesia de Santo Ildefonso, extramuros desta cidade do Porto, nas casas da morada de Alvaro Vaz Mogueimas, que são defronte da mesma Senhora da Batalha, onde aí estava presente o mesmo Alvaro Vaz Mogueimas, nobre cidadão desta mesma cidade, cavaleiro professo da ordem de Cristo, e juiz da casa da moeda da dita cidade, o qual estava sentado em uma cadeira, são e bem disposto, e em todo o seu prefeito juízo, memória, e entendimento, que Deus Nosso Senhor foi servido dar-lhe, a onde eu tabelião ao diante nomeado vim pessoalmente a seu chamado para esta instituição lhe aprovar, e logo aí na presença de mim tabelião, e das testemunhas ao diante escritas e assinadas, pelo dito Alvaro Vaz Mogueimas, me foi dado da sua mão à minha esta folha de papel escrita em duas laudas e quase meia que acaba a onde dei principio a esta aprovação, dizendo-me que esta era a instituição do morgado ou capela que instituía, a qual instituição fizera muito por sua livre vontade e sem constrangimento de pessoa algumas que a isso o obrigasse nem movesse, a qual lhe escrevera ao reverendo padre mestre Frei Luís Pinheiro, comissário da venerável ordem da penitencia do convento de São Francisco desta mesma cidade, e com ele o assinará, como também a declaração posta ao pé desta instituição, e que por esta ser a sua livre e espontânea vontade, me pediu e requereu lha aprovasse, porque tudo o que nela estava escrito e declarado queria se cumprisse e guardasse tão inteiramente como nela se contem, e que por esta havia por melhor e revogadas todas e quaisquer outras instituições que antes desta tenha feito, assim por escrito como por palavras, porque só esta queria tivesse toda a força e vigor, e que pedia muito por mercê às justiças de Sua Majestade a que for apresentada por qualquer via que seja, lhe façam em tudo dar inteiro cumprimento o que visto por mim tabelião seu requerimento, e a dita instituição estar limpa sem vicio, entrelinha, nem coisa que duvida faça porque algumas que duvida podiam fazer estão reservadas na declaração posta ao pé da dita instituição e ele instituidor ser pessoa reconhecido de mim tabelião, e das mesmas testemunhas pelo próprio que aqui se nomeia, lhe aprovei e houve por aprovada esta instituição, tanto quanto de direito se requer, devo, e passo, em razão do meu oficio, e aprovada assim esta instituição na forma sobredita a tornei a entregar a ele instituidor, que a tomou em sua mão, e depois de a ver eu tabelião lhe fiz pergunta se era esta a mesma instituição que ele me havia dado para lhe aprovar e se havia por boa, firme, e valiosa, e depois de a ver respondeu, que esta era a mesma instituição que me havia dado para lhe aprovar, a qual lhe escrevera o dito muito Reverendo Padre Mestre Frei Luiz Pinheiro seu comissário, assim e na forma que ele instituidor lho dissera, e que ambos assinaram e por tal a aprovava, e que tudo o que na dita instituição estava escrito havia por bom, firme e valioso, e queria tivesse força e vigor, e de como assim o disse quis, e outorgou, me requereu esta aprovação que assinou sendo a tudo testemunhas presentes chamadas e rogadas, por mandado dele dito instituidor, e declarou mais ele dito instituidor, que além das obrigações incertas e declaradas na dita instituição, escritas pelo dito Reverendo Padre Mestre Frei Luiz Pinheiro, e queria, era contente, e mandava, que o administrador e sucessor ou sucessores, que sucederem neste morgado ou capela, de que na instituição se faz menção, serão obrigados com as penas, condições, e obrigações atrás na dita instituição declaradas, lhe mandarão dizer mais sete missas para sempre em cada um ano enquanto o Mundo durar na dita capela, a saber, cinco missas, às chagas de Cristo Senhor Nosso, e a S. José, e outra ao Patriarca São Bento, em qualquer dos seus dias, e a de S. José se diga sempre a vinte e nove de Março, e que por este modo havia por feita e terminada esta dita instituição, e que em tudo o referido e lá declarado queria se cumprisse e guardasse como nela se contém. E assim o disse, quis, e outorgou em fé e testemunho de verdade assinou, sendo a tudo testemunhas presentes, que tudo viram e ouviram ler e declarar, João Vieira de Carvalho, escrivão das apelações crimes, António Gomes de Sá, solicitador, e morador na Rua Chão, e Miguel Lopes Bravo, picheleiro, morador na Rua das Quingostas, e Nicolau Fernandes de Oliveira, ourives de ouro, morador na mesma Rua, e António Rodrigues, picheleiro, morador na mesma Rua das Quingostas, que todos aqui assinaram com ele instituidor, e eu Miguel Pereira Coutinho público e razo que uso – Miguel Pereira Coutinho
– Em testemunha de verdade. (Sinal público)
- Álvaro Vaz Mogueimas
- João Vieira de Carvalho
- António Gomes de Sá
- Miguel Lopes Bravo
- Nicolau Fernandes de Oliveira
- António Rodrigues (uma cruz) |